É comum ouvir as pessoas dizerem que as enchentes têm aumentado em número e intensidade conforme o tempo passa. Surge então a dúvida sobre as causas desse fato, e se ele realmente é verdadeiro.
Vamos por palavras chave: Crescimento desordenado; Ilhas de calor; Impermeabilização do solo; Efeito-estufa; Ocupação em zonas de risco; aumento da frota automotiva. Na minha opinião, são esses os principais motivos dessa percepção de aumento das enchentes e seus danos. Interligados, todos esses pequenos fatores contribuem para um agravamento da situação.
A cidade é uma ilha de calor, por um motivo bem simples: O que antes era um colchão de ar úmido coberto por copas de árvores Hoje é uma imensa placa preto-piche com cubinhos de concreto e refletores vítreos. Qualquer um que já tenha usado preto no sol entende o que eu digo. A área urbana passa a ser um imenso radiador de calor vindo da incidência solar, o que favorece a elevação de temperaturas a um ritmo surpreendente. Imagine agora que esta calota cresce em área a cada ano, já que, além da população crescer, a degradação e a especulação imobiliária gera espaços vazios (ainda irradiadores) e obriga os novos moradores a expandir a área urbana para encontrar seu teto. Uma cidade mais vasta faz com que o alcance dos seus habitantes precise ser maior: está feita a desgraça, mais e mais carros na rua a cada ano. Mais e mais carbono na atmosfera, mais e mais isolação para mais e mais calor irradiado. Os problemas conectados formam um problema local imenso. Mas o que raios (de chuva?) tem a ver o calor com a chuva? Bom, pensemos na última chuva. Para onde foi toda aquela água? Para o solo é que não foi. Ficou em algum recipiente todo impermeável: um rio, um piscinão, o quintal do morador etc. E nesse calor não tem água que agüente. Em uma tarde tudo vira nuvem e aí já viu. Dá-lhe água na cabeça. E pra onde vai a água? Para o rio impermeabilizado. E quando o rio enche? Vai para a beira. E da beira pra avenida, e lá se vão aqueles carros novos todos de que falamos, e junto com isso, vão as casas de quem não conseguiu comprar a casa no centro – porque ou está aos pedaços ou está caríssima – e acabou ocupando a encosta que caiu, a beira de represa que alagou, a beira de avenida que inundou.
A questão é: a água é sempre a mesma, mas evaporando muito mais rápido, e caindo de forma muito mais concentrada, e em cima de gente cada vez menos preparada, e estragando cada vez mais bens de cada vez mais pessoas, numa cidade cada vez mais intensa. A enchente devastadora é decorrência da própria cidade, e sua proporção se mantém. Cresce a cidade, cresce a enchente, cresce o número de pessoas, cresce o número de vítimas.
Há alguns agravantes. Pense em geometria. Qual é a menor distância entre os pontos A e B? Um segmento de reta certo? Certo. Agora pense num rio que nasce sempre na mesma cidade A e vai se torcendo até acabar no mesmo rio B. Retifique esse rio. O que temos? Um comprimento bem menor e um volume fracionado. O rio retificado contém bem menos água e aumenta a velocidade do pouco que contém. Favorece o transbordamento e a enxurrada devastadora. Daí as constantes obras de aumento de volume dos corpos d'água. Piscinões, aumentos nas dimensões da calha etc.
Mas... Com que objetivo se retifica um rio? São dois os motivos: construção de avenidas marginais (o terreno é plano e o rio corta a cidade, pronto, meio caminho andado) e aproveitamento dos espaços entre as curvas dos rios, que antes não podiam ser explorados por encharcarem. Ok, tudo certo, nada resolvido. Como dizia meu tio-avô: Rima, mas não resolve. O carro anda mais rápido e menos na rodovia urbana, QUANDO ANDA. A região de charco permanece. Mas agora ela não é mais um pântano. É um condomínio de luxo, uma fábrica, uma avenida lotada. E quem sofre? O motorista, o empresário e o morador. Eis que o leitor pensaria: “e por que não se faz nada a respeito?” pasme você. Faz. O código florestal brasileiro (Lei n.° 4.777/65) prevê em seu segundo artigo a manutenção de NO MÍNIMO 30m de mata ciliar intocada na adjacência de qualquer corpo d'água, variando até 100m. E o próprio Estado que faz a lei, desobedece, construindo marginais e permitindo a ocupação destas margens. Ou seja: errados não são as chuvas, os rios, as cheias, erradas são as cidades. Triste, mas verdadeiro.
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